O Ministério Público do Acre
(MP-AC) divulgou nota ontem com novos esclarecimentos sobre a Operação
Delivery. No documento, a instituição informa que foi protocolada denúncia
contra 22 pessoas por envolvimento com uma rede de prostituição no Estado. Diz ainda,
quanto aos usuários da rede, que foi possível identificar pelo menos 105
clientes.
Confira a seguir a nota na
íntegra:
NOTA À SOCIEDADE ACERCA DA
ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM RELAÇÃO À INVESTIGAÇÃO “OPERAÇÃO DELIVERY”
O Ministério Público do Estado do
Acre, por meio da presente nota, vem apresentar os seguintes esclarecimentos à
população e à imprensa acerca da Operação Delivery:
Inicialmente, cumpre informar que
foi protocolada denúncia na data de ontem, dia 21 de novembro de 2012, às
17h30min, junto à 2ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Rio Branco
contra os envolvidos nas práticas criminosas apuradas no inquérito policial nº
011/2012 (0500808-75.2012.8.01.0081).
A denúncia foi assinada pelo
Promotor de Justiça Mariano Jeorge de Sousa Melo, titular da 1ª Promotoria de
Justiça Cível, com atribuições para atuar junto à 2ª Vara da Infância e
Juventude e pelos os Promotores de Justiça Danilo Lovisaro do Nascimento e
Marcela Cristina Ozório, membros do GAECO, que requisitaram a investigação inicial
e acompanharam todas as fases do trabalho policial.
A peça acusatória apresenta 70
(setenta) laudas e os fatos estão descritos de forma circunstanciada, bem como
individualizada a conduta de cada agente, como manda a lei.
Foram denunciadas 22 (vinte e
duas) pessoas e o Ministério Público resguarda-se a não divulgar o inteiro teor
da peça processual e o nome dos acusados neste momento, em razão do segredo de
justiça que paira sobre o processo.
No presente caso, os crimes
investigados e agora imputados aos acusados pelo Ministério Público são delitos
previsto no Título VI, da Parte Especial, do Código Penal, com a rubrica “Dos
crimes contra a dignidade sexual”, razão pela qual existe a imposição do
segredo de justiça por força de lei, nos termos em que dispõe o art. 234-B, do
citado diploma legal, a seguir transcrito para melhor compreensão:
“Art. 234-B. Os processos em que
se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça.”
A exceção legal à regra da
publicidade processual existe porque as condutas descritas como crime neste
caso atentam contra a dignidade sexual das ofendidas e, assim, a intimidade das
vítimas deve prevalecer, de modo que estas não venham a sofrer novos agravos
além daqueles a que já foram submetidas pelas condutas praticadas pelos
agentes.
Cabe lembrar que há diversas
ofendidas que todas as ofendidas merecem proteção quanto à sua intimidade e
imagem, bem como precauções para evitar nova vitimização, especialmente as
menores de idade, cujo dever de proteção integral à criança e ao adolescente é
imposto à família, à sociedade e ao Estado, consoante ordena o art. 227, da
Constituição da República.
Feitas essas observações, com o
único objetivo de esclarecer e prestar contas à população, apresenta-se um
breve relato da rede de exploração sexual que foi desbaratada pela Polícia
Civil em conjunto com o Ministério Público do Estado do Acre.
O inquérito policial revelou que
foi constituída, nesta cidade, uma extensa e bem organizada rede de
prostituição e exploração sexual envolvendo mulheres maiores e menores de idade
que era comandada por 7 (sete) pessoas que foram denunciadas pelo favorecimento
da exploração sexual de mulheres maiores de idade e adolescentes, entre 14
(catorze) e 18 (dezoito) anos de idade, bem ainda pela conduta de rufianismo
pois se sustentavam da prostituição alheia.
Estes denunciados, portanto,
integravam o que se poderia chamar de núcleo de agenciadores da rede de
prostituição e exploração sexual, intermediando e oferecendo garotas por eles
agenciadas para fazer programas sexuais com os denunciados do núcleo denominado
de “usuários” ou “clientes”.
O modus operandi dos denunciados
integrantes do núcleo de agenciadores inicialmente consistia em identificar
mulheres e adolescentes e induzi-las à prostituição ou exploração sexual,
incitando-as, convencendo-as e atraindo-as, mediante promessas de vantagens
econômicas, para realizar programas sexuais com os denunciados do núcleo de
usuários ou clientes dos serviços sexuais, que, na sua maioria, era constituído
de pessoas pertencentes aos mais elevados estratos sociais e detentores de
elevado poder aquisitivo.
Para convencer as jovens que
foram inseridas na rede de prostituição e exploração sexual, os denunciados do
núcleo de agenciadores se aproveitavam da situação desprivilegiada do ponto de
vista econômico dessas jovens e começavam a assediá-las, prometendo-lhes
vantagens financeiras, caso realizassem os “programas” com os denunciados do
núcleo de usuários da rede, bem como as incentivando ao consumo de bens materiais.
Após a realização do trabalho de
convencimento e concluída a etapa do aliciamento, os denunciados do núcleo de
agenciadores passavam a intermediar os programas sexuais para as jovens
pertencentes à rede de prostituição, oferecendo-as aos denunciados usuários da
rede ou atendendo às solicitações destes para contratar as garotas agenciadas
para a realização de programas sexuais.
Nesta fase da exploração sexual
das mulheres e adolescentes cooptadas a participar da rede de prostituição, os
denunciados agenciadores atuavam como verdadeiros intermediários, exercendo a
função de autênticos cafetões, se sustentando da prostituição, mediante a
obtenção de vantagem ou participação direta nos lucros do preço do serviço
sexual realizado pela garota agenciada.
Era usual que os denunciados
agenciadores levassem em seu próprio veículo a garota de programa até o local
indicado pelo cliente para a realização do encontro sexual e, ao final, se
encarregavam de buscá-la, exercendo uma atividade típica de “coleta e entrega”
ou “leva-e-traz”, bem como de orientação na forma de agir com os clientes, na
maneira de se vestir e até mesmo a cobrar por serviços extras, garantindo
eficiência e discrição na prestação dos serviços sexuais por eles oferecidos.
Os denunciados agenciadores
cobravam pela intermediação dos encontros sexuais valores que variavam de R$
50,00 (cinquenta) a R$ 200,00 (duzentos) reais a título de comissão pelo
agenciamento e pelo programa a ser realizado, dependendo da qualidade da garota
oferecida, de R$ 40,00 (quarenta) a R$ 2.000,00 (dois mil) reais, dentre outras
vantagens de cunho econômico.
Essa rede de prostituição teve
atuação de forma estável e perene na cidade de Rio Branco, cabendo registrar,
segundo o apuratório, que alguns agenciados atuavam há pelo menos 10 (dez)
anos.
Aflora dos autos, também, que
esta rede de prostituição, além de contar com os 07 (sete) aliciadores
identificados e denunciados, tinha como integrantes na condição de “garotas de
programas” pelo menos 25 (cinte e cinco) adolescentes menores de 18 (dezoito)
anos e 104 (cento e quatro) mulheres maiores de idade, não se descartando que
este número possa ser ainda maior do que efetivamente foi apurado durante as
investigações policiais.
Quantos aos usuários da rede de
prostituição foi possível identificar pelo menos 105 (cento e cinco) clientes,
porém resta evidenciado que este número deve ser muito superior, já que a
investigação, por razões óbvias, representa um recorte temporal dos fatos.
Além disso, convém deixar claro
que os usuários denunciados são aqueles que o inquérito policial amealhou
provas suficientes quanto à utilização da rede de prostituição, mediante a
contratação de garotas para a realização de programas sexuais, sendo estas
menores de 18 (dezoito) anos e maiores de 14 (catorze) anos, pois estes
usuários, tendo conhecimento ou pelo menos razões para saber que estas menores
estavam sendo submetidas, induzidas ou atraídas à prostituição ou à exploração
sexual, mesmo assim, mantiveram com elas conjunção carnal ou praticaram outros
atos libidinosos, fato este que constitui crime.
Importa ressaltar, também, que a
prostituição, por si só, não é crime, sendo apenas punível pelo legislador
algumas condutas que gravitam em torno da prostituição, como as identificadas
na investigação, especialmente o favorecimento à prostituição, o rufianismo e a
manutenção de casa de prostituição.
O Ministério Público esclarece,
por oportuno, que a prática de conjunção carnal ou atos libidinosos entre
pessoas adultas, de forma consentida, ainda que mediante pagamento, não
constitui crime, daí porque diversos usuários da rede, embora citados, não
foram denunciados, porque não praticaram atos sexuais com adolescentes menores
de 18 (dezoito) anos e maiores de 14 (catorze) anos, submetidas à prostituição
ou outra forma de exploração sexual.
Frisa-se, ainda, a título de
advertência, embora não seja este o caso dos autos, que a prática de conjunção
carnal ou atos libidinosos com pessoa menor até 14 anos de idade, enferma ou
deficiente mental sem o necessário discernimento, ou que, por qualquer outra
causa, não possa oferecer resistência, constitui crime de estupro de
vulnerável.
Assim, dada a grande amplitude da
rede de prostituição e exploração sexual, com envolvimento inclusive de
adolescentes, é possível afirmar que as consequências das condutas dos
denunciados agenciadores e usuários que praticaram conjunção carnal ou atos
libidinosos com as menores foram extremamente nefastas para a sociedade,
levando diversas jovens a ingressar na prostituição, corrompendo-as moralmente
e expondo a saúde das vítimas a graves riscos. Os efeitos deletérios desta rede
de prostituição atentam de forma gravíssima contra a dignidade sexual das
adolescentes prostituídas e a moralidade pública sexual.
Há que se registrar, também, que
foi requerido, quanto às pessoas citadas que possuem foro de prerrogativa de
função, o devido encaminhamento para a apuração dos fatos noticiados junto aos
órgãos com atribuição para a investigação.
O inquérito policial trouxe,
ainda, elementos de informação quanto ao tráfico internacional de pessoas para
a Bolívia, o que, de igual sorte, deverá ser melhor apurado na instância
apropriada, já que se trata de crime de competência da Justiça Federal.
Procedeu-se, também, pedido de
encaminhamento de peças ao Ministério Público do Trabalho para apurações de sua
alçada.
Estando todas as providências
adotadas devidamente esclarecidas, acrescenta-se que se trata de causa
complexa, com um elevado número de acusados e fatos narrados, o que ensejará um
grande esforço de atuação na fase judicial, porém o Ministério Público do
Estado do Acre irá acompanhar o andamento da ação penal de modo a garantir que
se possa alcançar um desfecho célere, respeitadas as regras do devido processo
legal e da ampla defesa.
Por fim, é importante salientar
que o Ministério Público do Estado do Acre tem como objetivo estratégico
combater a exploração sexual de crianças e adolescentes, estando este propósito
definido como uma de suas metas do planejamento estratégico.
Para atingir essa finalidade, o
Ministério Público tem seu trabalho focado em dois eixos de atuação, um
preventivo e outro repressivo.
Assim, desde o início do ano, no
campo da prevenção, foi lançada e difundida em todo o Estado a campanha
educativa “Em casa ou no mundo virtual a violência é real”.
Na esfera repressiva, além da atuação
ordinária das Promotorias de Justiça em todo Estado, reforçou-se a atuação em
conjunto com o Gaeco, o que resultou na deflagração da investigação,
acompanhamento e oferecimento de denúncia contra os envolvidos na “Operação
Delivery”.
Desta feita, o Ministério Público
reafirma o seu compromisso de defender a dignidade sexual das crianças e
adolescentes no nosso Estado, ressaltando que continuará firme nesse propósito.
Patrícia de Amorim Rêgo
Procuradora-Geral de Justiça
Mariano Jeorge de Sousa Melo
Promotor de Justiça
Titular da 1ª Promotoria de
Justiça da Capital
Danilo Lovisaro do Nascimento
Promotor de Justiça
Membro do Gaeco
Marcela Cristina Ozório
Promotora de Justiça
Membro
do Gaeco
FONTE: Jornal Página 20
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