Memória ao centenário da Revolução Acriana em Rio Branco, capital do Acre |
A Revolução
Acriana é o termo dado à revolta da população que ocupava o que hoje é o estado
do Acre contra
a Bolívia,
que detinha a soberania da área. O período começa em julho de 1899, quando o território
é proclamado República do Acre, sob Luis Gálvez Rodríguez de Arias,
e termina em 1903,
depois que os brasileiros residentes no local vencem a disputa pela força das
armas, comandados por José Plácido de Castro. A Revolução
Acriana chegou ao fim com a assinatura do Tratado de Petrópolis, em 1903, pelo qual
a Bolívia cedeu o território ao Brasil (e o Peru aceitou a divisão de
fronteiras) em troca de 2.000.000 Libras
esterlinas (aproximadamente 206,62 milhões de dólares de 2010)
e da construção da ferrovia Madeira-Mamoré (apelidada
"Mad-Maria").
A Revolução
Acriana ocorreu no âmbito da disputa pela posse do território entre três países
vizinhos: Brasil, Bolívia e Peru. Entre 1899 e 1903, o território do atual Acre (em
disputa entre Bolívia, Peru e Brasil) foi proclamado autônomo por três vezes
como Estado Independente do Acre, embora a
independência só tenha sido reconhecida pelo lado brasileiro.
O tema
serviu de inspiração à uma minissérie da TV Globo Amazônia, de Galvez a Chico Mendes,
escrita por Glória Perez, exibida no início de 2007.
Antecedentes
Mapa mostrando o território boliviano em 1899, antes da Revolução Acriana |
As
fronteiras entre o Brasil e a Bolívia foram delimitadas pelo Tratado de Ayacucho. A província do Acre,
território de aproximadamente cinco vezes o tamanho da Bélgica,
pertencia à Bolívia.
Incrustado no coração da América
do Sul, o Acre despertava pouco interesse pela sua inacessibilidade e
aparente falta de valor comercial. Sua população era composta por um pequeno
número de índios sem identidade nacional e um punhado de brasileiros
e bolivianos.
Quando o
preço da borracha disparou no final do século
XIX, cerca de 18 mil aventureiros e colonos, a maioria do Brasil, foram
para o Acre para explorar as seringueiras. Praticamente não existiam estradas, de modo
que os principais meios de transporte eram alguns vapores fluviais, canoas e
balsas.
A Primeira "República do Acre"
Selo da extinta República do Acre |
Em 2 de
janeiro de 1899, a Bolívia instalou uma alfândega em Puerto
Alonso (atual Porto Acre),
o que desagradou os colonos brasileiros, os quais desejavam a saída das
autoridades bolivianas. O advogado Dr. José de Carvalho liderou uma revolta contra os
bolivianos em 30 de
abril.
Pressionados
por José de Carvalho, os bolivianos foram forçados a abandonar a região. Para
evitar a sua volta, o governador do Amazonas, José Cardoso Ramalho Júnior organizou o ingresso no Acre de uma
unidade de aventureiros comandadas pelo espanhol Luis Gálvez Rodríguez de Arias, o
qual servira como cônsul boliviano em Belém (PA). Gálvez
partiu de Manaus em 4 de junho de 1899 e chegou à localidade
boliviana de Puerto
Alonso, a qual teve seu nome mudado para Porto Acre,
onde proclamou a República do Acre em 14 de
julho de 1899. Os bolivianos
reagiram enviando uma força de 500 homens. Antes da sua chegada, Gálvez foi
feito prisioneiro por Antônio de Sousa Braga, que se declarou
presidente do Acre. Pouco tempo depois, no entanto, ele devolveu o poder para
Gálvez. Em 15 de
marçode 1900, uma flotilha
brasileira alcançou Puerto
Alonso e dissolveu a
República do Acre, pois o governo brasileiro, com base no tratado internacional de Ayacucho (1867), considerava o
Acre como território boliviano.2
Um motivo
complementar para o interesse de Ramalho Júnior na ocupação do Acre foi o fato
de Galvez ter descoberto a existência de um acordo diplomático entre a Bolívia
e os Estados
Unidos estabelecendo que
haveria apoio militar norte-americano à Bolívia em caso de guerra com o Brasil.
A Segunda "República do Acre"
Nessa época
a Bolívia organizou uma pequena missão militar para ocupar a região. Ao chegar
em Porto Acre, ela foi impedida pelos seringueiros brasileiros de continuar o
seu deslocamento.
Em novembro
de 1900, uma força composta
principalmente de brasileiros organizou outra revolta com o objetivo de tomar o
Acre da Bolívia e criar uma república independente. Conhecida como a "Expedição dos Poetas",
essa força, sob o comando do jornalista Orlando Correa Lópes, se
formou ao redor do vapor Solimões,
equipado com a ajuda do governador da Província do Amazonas, Silvério Néri. O Solimões operava no Rio Purus e apreendeu a embarcação Alonso, que foi renomeada de Rui Barbosa. Rodrigo de Carvalho se tornou Presidente da
recém-declarada república do Acre, a qual contava com um canhão leve, uma metralhadora e cerca de 200 homens. Por volta do natal de 1900, essa força atacou Puerto Alonso e foi derrotada pelos militares
bolivianos, resultando na perda do canhão e da metralhadora,
o que acabou levando à dissolução desta segunda república. Em 29 de
dezembro, a embarcação boliviana Rio
Afua levou auxílio para guarnição
de Puerto Alonso.
Apesar dos
dois países negarem o acordo com os Estados
Unidos citado
anteriormente, em 1901 a Bolívia assinou um contrato de
arrendamento do Acre com a Bolivian Trading Company (também conhecida como "Bolivian
Syndicate of New York City", ou, simplesmente, "Bolivian Syndicate",
sediada em Jersey City, Nova Jersey.
A companhia possuía alguns acionistas muito influentes, como o rei da Bélgica e parentes de William
McKinley, então presidente dos Estados
Unidos. A Bolívia concedeu à companhia controle quase total sobre a
Província do Acre para proteger sua soberania. Pelo contrato, o grupo de
capitalistas estadunidenses e britânicos assumiria o total controle sobre a
região, podendo ocupar a região com soldados e explorá-la por 30 anos. Nessa
ocasião governava a Bolívia o general José Manuel Pando. A quantidade de
brasileiros que habitavam a região crescia, essencialmente nordestinos em busca
da riqueza florestal. O Brasil e o Peru (que também reivindicava o
território)desaprovaram veementemente o ato. O Brasil retirou o cônsul de Puerto Alonso e fechou os afluentes do Rio Amazonas para
o comércio com a Bolívia. As potências internacionais, que consideravam a bacia
como águas internacionais, protestaram, levando
o Brasil a reduzir a interdição para materiais bélicos, além de liberar as
mercadorias bolivianas dirigidas à nações estrangeiras.
José Plácido de Castro (foto de Percy Fawcett, 1907). |
Aos 26 anos
de idade, tendo já lutado na Revolução Federalista do Rio
Grande do Sul, o gaúcho José Plácido de Castro chegou na Amazônia. Em 1902,
seringalistas fizeram um acordo com Castro. O militar, acreditando que poderia
lucrar demarcando latifúndios, aceitou treinar e comandar cerca de dois mil
seringueiros que ofereceram-lhe o apoio necessário para combater os bolivianos.
As 5 horas da manhã de 6 de
agosto de 1902, 33 homens
comandados por Castro e armados com rifles subiram em canoas o barranco íngreme do Rio Acre.
Plácido de Castro entrou discretamente em uma casa de madeira na cidade de Xapuri, que
funcionava como Intendência da Bolívia. Logo, Castro tomou posse do local e
aprisionou os militares bolivianos. A população local confundiu a revolução com
a festa que se passava pelo Dia de
Independência da Bolívia.3
Em 18
de setembro, um batalhão boliviano de 180 homens, liderado pelo Coronel Rosendo Rojas, surpreendeu as
forças de Plácido, que agora contava com cerca de 70 homens. Os brasileiros,
armados apenas com rifles Winchester,
com escassa munição e padecendo de doenças tropicais e deserções,
perderam vinte homens e foram derrotados.
Plácido,
então, recrutou outra força, com cerca de mil homens. Parte dessa força sitiou
a cidade de Puerto
Alonso em 10 de maio de1902. Em 14 de
outubro, a força capturou algumas fortificações externas com a embarcação Río Afua, a qual encalhara durante os
combates. A embarcação fluvial, renomeada para Independência, foi utilizada contra
seus antigos proprietários. Não obstante o revés, os bolivianos obstinadamente
mantiveram Puerto
Alonso.
Alhures, os
aventureiros braseiros sitiaram Empresa, que
capitulou em 15 de
outubro. Outras batalhas, quase todas vencidas pelas forças de Plácido,
ocorreram em Bom
Destino, Santa Rosa e outras cidades ribeirinhas. Em 15 de
janeiro de 1903, a força
brasileira atacou e capturou algumas posições fora de Puerto
Alonso. O Independência,
ancorado rio acima, foi carregado com trinta toneladas de borracha de alta qualidade, e foçou a passagem
pelas baterias bolivianas para levar a borracha rio abaixo, onde poderia ser
vendida. As forças de Plácido utilizaram o dinheiro para comprar armas e
munições. Em 24 de
janeiro, os bolivianos em Puerto
Alonso se renderam aos rebeldes,
que já haviam tomado toda a região, exceto Puerto
Alonso. Três dias depois, em 27 de
janeiro, foi proclamada a Terceira República do Acre, agora com o apoio do
presidenteRodrigues Alves e
do seu Ministro do Exterior, o Barão do Rio Branco, que ordenou a ocupação do
Acre e estabeleceu um governo militar sob o comando do general Olímpio da Silveira.
A força
sitiante avançou em direção ao local onde os Rios Chipamanu (também chamado de Manuripe) e Tauamanu se encontram para formar o Rio Orton. Logo, uma força boliviana
sob o comando do General José Manuel Pando, Presidente da Bolívia,
ocupou a margem oposta. Entretanto, antes que acontecesse algum combate
significativo, em consequência do excelente trabalho da diplomacia brasileira comandada
pelo Barão do Rio Branco, os governos do Brasil e da
Bolívia assinaram em 21 de
março de 1903 um tratado
preliminar, ratificado pelo Tratado de Petrópolis em 17
de novembro de 1903.
Pelo Tratado
de Petrópolis, a Bolívia abria mão de todo o Acre em troca de territórios
brasileiros do Estado de Mato
Grosso, mais a importância de 2 milhões de libras esterlinas (~640 milhões
de reais) e a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, ligando os rios Mamoré (em Guajará-Mirim,
na fronteira Brasil-Bolívia) e Madeira (afluente do rio
Amazonas, que corta a cidade de Porto
Velho, em Rondônia),
com o objetivo de permitir o escoamento da produção regional, sobretudo de
borracha. Joaquim Francisco de Assis Brasil participou ativamente das negociações
com a Bolívia, tendo representado o governo brasileiro em sua assinatura. Ainda
foi indenizado o Bolivian Syndicate em 110 mil libras (~35 milhões de
reais).3 Em trinta anos, os tributos arrecadados pelo Brasil no Acre
compensaram as indenizações e o empréstimo para a construção da ferrovia.
O primeiro decreto de Plácido de Castro ocorreu em 26 de janeiro de 1903, aplicando-se a lei brasileira até a promulgação da Constituição do Estado soberano; considerou válidos todos os títulos de terras expedidos pela Bolívia ou pelo estado do Amazonas; definiu a língua portuguesa como oficial; e adotou o padrão monetário brasileiro.3
O Tratado de
Petrópolis, assinado em 1903 pelo Barão do Rio Branco e Assis Brasil, foi
aprovado por lei federal de 25
de fevereiro de 1904, regulamentada
por decreto presidencial de 7 de abril de 1904, incorporando o Acre como
território brasileiro. Plácido de Castro, que faleceu em 11 de
agosto de 1908, foi primeiro
presidente do Território do Acre, elevado à condição de Estado do Acre em 15 de
junho de 1962. Tanto o Barão do
Rio Branco como Assis Brasil e Plácido de Castro estão homenageados no Acre com
os nomes de sua capital (Rio Branco) e de dois municípios (Assis
Brasil e Plácido de Castro).
A Revolução
Acriana demonstrou a vantagem brasileira sobre os vizinhos de língua espanhola
em razão de sua localização a jusante em relação aos rios que correm em quase
todo o Continente, nascendo na Cordilheira dos Andes e desembocando no Oceano Atlântico. O Brasil podia enviar reforços
para a área em disputa pelos rios, enquanto que os bolivianos tinham que
atravessar os Andes.
Aparentemente,
o esforço boliviano foi totalmente financiado pelos barões da borracha, em
particular Nicolás Suárez. Pela segunda vez, a Bolívia perdeu
em uma guerra parte de suas planícies esparsamente povoadas para um vizinho
mais forte e bem administrado (a primeira foi na Guerra do Pacífico).
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre
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