Estantes
embutidas nas paredes, lotadas de velhos livros em prateleiras muito bem
organizadas, fitas cassetes, fotografias, documentos, certificados, medalhas.
Nesse cenário cheio de simbolismo entranhado e histórias registradas, a
reportagem do ac24horas foi recebida por dona Beatriz
Cameli, a elegante viúva do ex-governador Orleir Cameli, que carinhosamente é
chamada de dona Bete. É a primeira equipe de reportagem a ter acesso ao
memorial organizado pela família que vai ocupar parte das salas da empresa Colorado
– que foi presidida pelo ex-governador – no município de Cruzeiro do
Sul (AC) .
“Eu
ia fazer uma surpresa para ele quando fossemos inaugurar esse prédio, ele ficou
aqui somente três meses, não deu tempo”, revelou dona Bete.
Orleir
Cameli nasceu no dia 16 de março de 1949 no Seringal Belo Horizonte, no Alto
Juruá, município de Cruzeiro do Sul. Filho de Marmud Ferreira Cameli e Maria do
Patrocínio Messias Cameli, começou a trabalhar muito cedo no seringal com o pai
e os irmãos Chiquinho e Eládio. Do seringal a empresário bem sucedido, pela sua
ativa participação na vida comunitária do povo de sua terra natal, foi
convidado a ingressar na política em 1992, tendo sido eleito prefeito de
Cruzeiro do Sul, tomando posse em janeiro de 1993 e governador do estado do
Acre nas eleições de 1994, exercendo mandato de 1995 até 1º de janeiro de 1999.
Voz
serena, olhar comprometido, formada em tecnologia de ensino pela Pontifica
Universidade Católica (PUC), dona Bete afirma que a maior importância desse
resgate é que as futuras gerações saibam de onde a família veio e qual foi a
sua contribuição com o progresso. “O Orleir amava essa cidade”, destacou.
O
arquivo morto já está organizado por assuntos. O áudio de todas as entrevistas
em fita cassete foram digitalizados. Tudo com a coordenação da viúva. Até os
detalhes do quadro feito em marchetaria, pelo artista Maqueson, tem sua
participação. Exposto na entrada principal da empresa, o ex-governador aparece
ornamentado dirigindo uma máquina moto escraper, que segundo dona Bete, “na
época estava alugada para a Ensa” detalhou.
A
biografia será apresentada nas escolas da rede municipal e estadual de ensino
de Cruzeiro do Sul, através de uma exposição de quadros que mostram a
trajetória empresarial e política do líder da família Cameli.
“Eu quero deixar o legado para os jovens darem importância às pessoas que passaram aqui para o crescimento. O tipo de mentalidade que o Orleir tinha eu admirava demais. Ele era uma pessoa que resolvia as coisas, não gostava de coisas mal feitas. Tinha que corrigir. As próximas gerações têm que se espelhar nesse personagem tão autêntico como era o Orleir” acrescentou.
A
caminhada foi longa pelos corredores do moderno prédio erguido ainda pelo
ex-governador em vida. Na parada para um cafezinho e um copo com água, mais
histórias iam sendo reveladas.
Os
irmãos Chiquinho e Orleir decidiram construir em seus locais de trabalho uma
Capela para o primeiro Santo canonizado e oficialmente reconhecido Santo no
Brasil, Frei Galvão. Chiquinho, no estaleiro Juruá, em Manaus; Orleir na
Construtora Colorado, em Cruzeiro do Sul. A obra não é em vão, mas uma forma de
agradecimento pelas graças recebidas. Chiquinho por ter resgatado a sua saúde e
Orleir por ter sido curado de uma calcificação na escápula.
Dona
Bete seguiu contando que o material para a construção da Capela no pátio da
empresa Colorado até que chegou a tempo, mas devido ao trabalho de construção
da BR 364, a obra acabou não sendo erguida com o ex-governador em vida.
“Ele
se dedicou muito à construção dos demais trechos da BR 364 que estavam sob a
sua responsabilidade e acabou não tendo tempo de erguer a capela” disse.
Saímos
caminhando do refeitório onde tomamos um cafezinho para conhecer a Capela que
foi erguida após a morte de Orleir Cameli. Segundo a viúva, o empresário queria
casar com ela na Igreja Católica na inauguração da pequena Igreja.
“Infelizmente
ele não realizou esse sonho aqui neste local, nos casamos no Hospital quando
ele agonizava antes da morte. Mas pelo menos ele não foi com esse pecado (…)”
emocionou-se.
Dona
Bete é uma mulher discreta, de bastidores, foi durante muito tempo uma espécie
de conselheira de Orleir Cameli, mas que deixava a ele a atuação na linha de
frente. Ela reencontrou forças para continuar a conversa dentro da Capela.
Mostrou vitrais que vieram da Alemanha com imagens do profeta Elias – que viveu
no reino de Israel durante o reinado de Acab – e do historiador e pesquisador
Jeremias, que também foi profeta. No altar central fica a imagem de Frei
Galvão.
Ainda
de acordo com dona Bete, o ex-governador Orleir Cameli tinha muitas
superstições, uma delas era com o número 13. “Ele detestava esse número, mas
acabou sendo o décimo terceiro governador e morreu em 2013” lembrou.
A
Capela foi inaugurada no dia 08 de maio de 2014, um ano depois da triste
quarta-feira em que Orleir Cameli deixou a família em Manaus, aos 64 anos.
A primeira homenagem
Em dezembro deste ano, dona Bete quer lançar a primeira parte da
homenagem ao ex-governador, um vídeo de cinco minutos em desenho animado que
conta a história de forma resumida de Orleir. Até maio do próximo ano, ela
espera lançar a biografia e editar um livro que ela pesquisa há seis anos sobre
comidas típicas no Juruá.
Pesquisa dura seis anos
Pesquisa dura seis anos
“No Acre ninguém sabe o que é arabu. Sabe? Arabu é mujangue. Em Pucalpa
chamam aradu” comentou. Ela citou outras palavras do vocabulário nordestino que
fazem parte de sua pesquisa como “encriquilhar” que significa, segundo dona
Bete, enrugar, engelhar.
A ex-primeira Dama
Essa não é a primeira vez que Beatriz Cameli desenvolve esforço para
valorização da cultura e da história acreana. Quando foi primeira dama do
Estado, conseguiu desenvolver desde eventos culturais de alcance popular, como
o “Natal na Praça” até iniciativa de alto apuro intelectual, como o projeto de
“Memórias e Imagens da História e da Revolução Acreana”.
Outro
trabalho de destaque na área cultural foi o livro “Gente Acreana de Expressão”
com biografia de grandes personalidades do estado, editado em 1996 pelo
jornalista José Chalub Leite.
Apoio do sobrinho
Na última agenda que cumpriu no município de Cruzeiro do Sul, o senador
Gladson Cameli conheceu o trabalho que vem sendo feito por dona Bete. Sobrinho do
ex-governador, Gladson garantiu apoiar a obra de resgate daquele que ele afirma
ser sua grande inspiração política.
“Um
homem muito autêntico, obstinado e corajoso, que sempre enfrentou os obstáculos
de cabeça erguida, tanto como pai, como empresário e como político”, disse o
senador.
Jairo Carioca – Reportagem Especial/Ac24horas
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