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SAÚDE: SESACRE ESTUDA MUNICIPALIZAR HOSPITAL DE TARAUACÁ

Secretário de Estado de Saúde, Pedro Pascoal, aposta na “evolução” para o terceiro setor | Imagem: arquivo ac24horas

Pedro Pascoal, secretário de Estado de Saúde, resolveu mexer em uma casa de caba: estuda municipalizar os sete hospitais do interior do Acre. Só com a folha de pagamento para manutenção dessas unidades, o Estado calcula algo em torno de R$ 20,4 milhões. Com a municipalização, o peso desse custo mensal, envolvendo diretamente 1.667 servidores, seria dividido entre os ombros dos prefeitos.

Ainda não há uma definição clara em relação a quais critérios seriam apresentados aos prefeitos. Não se sabe também quais os modelos de gestão que poderiam ser oferecidos: Organização da Sociedade Civil (OSC); Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) ou Organização Social (OS). “Temos a intenção de evoluir para o terceiro setor”, antecipa Pascoal.

Com essa ideia de relacionar a atuação do terceiro setor a uma suposta “evolução” na gestão de parte do SUS, o secretário apresentou o problema para o Conselho Estadual de Saúde, mas de uma forma específica. Ele usou como mote a possibilidade de transformar o modelo de administração direta do Hospital Regional do Alto Acre Wildy Viana, de Brasileia, em uma OSCIP, nos mesmos moldes da gestão do Hospital Geral do Juruá, administrado pela Associação Nossa Senhora da Saúde (Anssau). O conselho ainda não deu um parecer sobre a proposta.

Entre os conselheiros, há a percepção de que o componente político esteja pesando nessa empreitada da Sesacre. E isso se comprova na fala do secretário Pascoal. “Os prefeitos não abrem mão de nomear os diretores e principais cargos dos hospitais, mas os custos financeiros e políticos relacionados aos constantes problemas recaem, sempre, na conta da secretaria”, contextualiza o chefe da Sesacre, antes de usar a retórica para questionar. “Então, quer dizer que as nomeações são políticas e não estão, nunca, sob o comando da Sesacre. Ao Estado, só cabem os custos financeiros e os possíveis desgastes. Por que tem que ser assim?” São dois exemplos lembrados por Pedro Pascoal como “positivos”. O primeiro é o Hospital Geral do Juruá. A Sesacre entende que a gestão da Anssau “não apresenta problemas”.
Secretário de Estado de Saúde, Pedro Pascoal, aposta na “evolução” para o terceiro setor | Imagem: arquivo ac24horas

Hospital Regional do Juruá X Hospital Wildy Viana

A apresentação feita ao Conselho Estadual de Saúde defendeu a lógica de que a administração direta do Estado na política de Saúde não é eficiente. Para um conselheiro pouco alinhado à atual gestão, “é como se a Sesacre estivesse defendendo um raciocínio de que ela mesma, Sesacre, não tem competência para conduzir a política pública”.

Nesse cenário, o Hospital Regional do Juruá foi apontado como um exemplo a ser seguido. Abrangendo uma população quase três vezes maior do que o do município de Brasiléia, com 230 leitos de enfermaria, centros cirúrgicos 24 horas por dia, 10 leitos de UTI para adultos, 4 leitos semi-intensivos pediátricos, o Hospital Regional do Juruá, uma OSCIP administrada pela Associação Nossa Senhora da Saúde (Anssau), teve custo anual orçado em R$ 64.511.704,81 no exercício de 2023). O custo mensal foi calculado em R$ 5.375.975,40. Um valor per capita de R$ 22,38.

O Hospital Regional de Brasiléia foi o anti-exemplo. Com população menor, a unidade tem limitada capacidade de oferta de serviços. Não há pronto atendimento pediátrico. Apenas adulto, 56 leitos de enfermaria e não possui UTI. Mesmo com serviços limitados, o custo é orçado em R$ 43.744.536 por ano. Ao mês, a Sesacre calcula que a unidade custe R$ 3.645.378. O que gera um valor per capita de R$ 49,51, mais que o dobro do praticado no Juruá.

O outro exemplo é a Prefeitura de Rio Branco. A Unidade Básica de Saúde existente dentro do sistema prisional era de competência do Estado. O prefeito Bocalom quis administrar a unidade. A partir desta decisão, os R$ 166 mil mensais passaram a cair na conta do Município de Rio Branco. A lógica do prefeito seguiu o seguinte raciocínio: “mais responsabilidades, no entanto, mais recursos”.

Hospital Regional do Juruá mantém a parceria com a Associação Nossa Senhora de Saúde (Anssau) Foto: Arquivo

Hospital Regional do Juruá (OSCIP)
Custo anual – R$ 64,5 milhões
Custo mensal – R$ 5,3 milhões
Custo per capita – R$ 22,38

Hospital Regional de Brasileia | Foto: Alexandre Lima/Arquivo pessoal

Hospital Regional de Brasileia
Custo anual R$ 43,7 milhões
Custo mensal R$ 3,6 milhões
Custo per capita R$ 49,51

 “O Estado não iria se omitir”, assegura secretário

Sem definições sob quais formas a “municipalização” dos hospitais do interior se daria e ciente dos casos de corrupção graves e com cifras milionárias em diversos estados do país envolvendo OSCIPS’s e OS’s, Pedro Pascoal se socorre na ponderação. “O Estado não iria se omitir. Mas ele seria um co-partícipe, financeiramente falando”.

O Ministério da Saúde tem uma política de gestão do SUS em três pedaços: União, Estados e Municípios. O ministério financia as ações e desenha as políticas nacionais. Esse financiamento entra em um montante de 50% da União, 25% dos Estados e 25% dos Municípios. “Nós repassaríamos o valor referente a vinte e cinco por cento do que é repassado da União. Esse seria, mais ou menos, o cálculo”, estima Pedro Pascoal.

Hoje, o Samu transfere o paciente intermunicipal. Isso não é competência do Samu. Existem portarias, existem resoluções do Conselho Federal de Medicinal. Quando eu tiro uma ambulância daquele Município, aquele município fica desassistido para socorrer uma emergência porque foi realizar uma transferência de paciente que nem tinha gravidade. Sendo que essa transferência é, de fato, do Município.

Sesacre garante que o Estado não iria se omitir em auxiliar as prefeituras | Imagem: arquivoac24horas

Hospitais e Municípios atingidos com medida

Hospital Dr. Abel Pinheiro Maciel – Mâncio Lima
Hospital Dr. Ary Rodrigues Senador Guiomard
Hospital João Câncio Fernandes – Sena Madureira
Hospital Sansão Gomes – Tarauacá
Hospital Dr. Manoel Marinho Monte – Plácido de Castro
Hospital Epaminondas Jácome – Xapuri
Hospital Geral de Feijó – Feijó
Hospital Wildy Viana – Brasileia

“Isso é temeroso”, afirma o presidente da Comissão de Saúde da Aleac

O presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa do Acre, deputado estadual Adailton Cruz (PSB), é contrário ao processo de municipalização das unidades hospitalares. “Eu fico surpreso com essa decisão da secretaria”, afirma. “Isso é temeroso. É temeroso para a população”, ressaltou o parlamentar. “Eu vejo essa decisão como preocupante. Eu desconheço qualquer município que tenha condições técnicas e de gestão para avançar com o nível de complexidade que a municipalização exige”.

Mesmo sendo da base de apoio parlamentar do Governo do Acre, o deputado não vacila em afirmar que vai fazer oposição ao projeto. Para que o processo de municipalização se efetive no âmbito administrativo, é preciso a aprovação da Aleac.

Atualmente, os municípios estão, juridicamente, habilitadas para atuar até a média complexidade dentro do Sistema Único de Saúde. Mas, na prática, os prefeitos abrem mão do que prevê a Lei Federal 8.080/1990 por limitações financeiras e técnicas. No entendimento do deputado, que é remanescente da área da Saúde, caso a municipalização passe pelo parlamento estadual, os prefeitos ficarão sem alternativas senão a terceirização dos serviços.

E isso, no entendimento dele, torna vulnerável todo o sistema. “Seria entregar nas mãos da iniciativa privada. O que é temeroso para a população”, avalia o deputado. “Vai descambar para mais escândalos de má gestão. Sou totalmente contrário.”

O parlamentar, que também já foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Acre (Sintesac), avalia que a municipalização torna o trabalhador mais vulnerável quando submetidos às regras das OSCIP’s, OS’s, e OSC’s. “Não vejo nenhuma vantagem. Vejo o processo com preocupação. Caso aconteça, a tendência é de piora”.

Presidente da Comissão de Saúde da Aleac, deputado Adaílton Cruz, considera um retrocesso e que prefeitos não têm financeiro e nem equipes com condições técnicas de assumir os hospitais | Imagem: Sérgio Vale

Por que a polêmica?

Do ponto de vista trabalhista

1) O trabalhador de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP); de uma Organização Social (OS) ou de uma Organização da Sociedade Civil (OSC) não é servidor público. Não tem estabilidade.

2) O trabalhador não tem, obrigatoriamente, um plano de cargos, carreira e remuneração

Do ponto de vista administrativo

1) Diferente da administração direta, as OSCIP’s, OS’s e OSC’s funcionam, na prática, como empresas privadas (embora não tenham, em tese, fins lucrativos). Compra e manutenção de equipamentos não ficam sujeitas à Lei de Licitações. Tudo é feito com a agilidade de uma empresa privada.

2) O grupo ou conselho de administração é quem define onde, quando e quanto comprar. Com um detalhe: a maior parte da verba é pública. No caso específico do Acre, caso a municipalização se efetive, toda a verba será do Governo do Estado.

3) A falta de burocracia que proporciona agilidade é a mesma que permite desvio de recursos públicos. O Tribunal de Contas da União apontou uma série de fatores que favorecem corrupção especificamente para organizações que atuam na área da Saúde.

4) O TCU já analisou a atuação desses organismos do terceiro setor na relação com o poder público em todo país. E o diagnóstico não é nada favorável. Destaque para a percepção de um marco normativo difuso (o que aumenta risco de fraude e corrupção). O TCU também constatou irregularidades na execução de diversos contratos.

TCU já analisou atuação das OSCIP’s e OS’s em todo país: marco normativo difuso aumenta risco de fraude e corrupção | Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado


Matéria: Ac24horas

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