Enfeitado com pinturas corporais
e artesanatos indígenas, o investidor Luiz Felipe Zanette, de 36 anos, só não é
confundido com os moradores da aldeia Mutum, localizada na Terra Indígena do
Rio Gregório, próximo a Tarauacá (AC), devido a sua aparência física. Branco,
com a cabeça raspada e olhos claros, ele se destaca entre as pessoas. O
visitante decidiu 'fugir' de Florianópolis para visitar aldeias no Acre e
participar do II Mariri Yawanawá, realizado entre 10 e 15 de agosto.
Ele percorreu os 400 km entre a
capital acreana e a cidade de Tarauacá, de onde viajou mais uma hora de carro
até a Vila São Vicente, às margens do Rio Gregório. Depois teve que enfrentar
uma viagem de oito horas de barco até a aldeia Mutum. Mas essa não é a primeira
vez que o turista participa de um festival indígena.
Zanette conta que a primeira vez
que esteve na Terra Indígena do Rio Gregório foi em 2011, quando conheceu o
Festival Yawa, realizado anualmente na aldeia Nova Esperança. “Participei do
festival e gostei muito, fiz boas amizades e me planejei para voltar”, afirma.
Ele saiu de Florianópolis no dia
26 de junho e antes de chegar à Aldeia Mutum viveu por 15 dias em outra aldeia
acreana, próxima a cidade de Jordão, além de aproveitar a viagem para conhecer
o Peru. “Visitei uma aldeia Hunikuin, que é de um índio que conheci em
Florianópolis. Ele tinha me convidado para ir a aldeia dele, e eu fui tentar
fazer tudo junto”, diz.
Para ele, a conexão com a
natureza quando se visita uma terra indígena é inexplicável. “Não tem como
explicar, eu estava dormindo na rede e ouvindo eles cantando, é um chamado
forte, uma sensação de integração com a natureza que é difícil ter em outro
lugar. É isso que eu sinto aqui”, comenta Zanette.
O músico e professor Tom Orgad é
de Israel, mas atualmente mora em Rio Branco. Foi por meio do convite de um
amigo indígena que ele foi visitar a aldeia. Diferente de Zanette, ele nunca
tinha visitado uma terra indígena, apesar de conhecer alguns elementos da
cultura.
“Como é a primeira vez que venho
em uma terra indígena, achei tudo interessante. Já tinha contato, conhecia
algumas coisas, escrevi minha pesquisa de doutorado sobre a ayahuasca, eu tinha
um conhecimento parcial e limitado sobre essa cultura. Nunca tinha visto o
local onde eles moram, mostram seus rituais, isso é muito interessante”, diz.
Os dois visitantes fazem parte de
um grupo de pessoas que realizam o etnoturismo, no qual o viajante conhece de
perto os costumes e cultura de um determinado povo, principalmente os povos
indígenas. A secretária de Turismo do Acre, Rachel Moreira, explica que os
festivais indígenas já são consolidados no estado e movimentam a cadeia
produtiva do turismo.
“Os festivais, apesar de ocorrem
nas aldeias, movimentam essa cadeia produtiva, porque esses turistas se
hospedam nas cidades próximas, Tarauacá, Jordão, Marechal Taumaturgo. Eles
impactam essa economia, ao se hospedarem, utilizar os serviços de barqueiro da
região, sem contar que toda a estrutura da aldeia é feita a partir de comprar
nos supermercados das cidades próximas”, afirma.
Dos seis festivais indígenas que
existem no Acre, apenas três são abertos ao público, afirma a secretária.
Criado em 2013, o Mariri limita o número de turistas. Dos 800 participantes do
Mariri, apenas 5% era composto por não-indígenas, afirma a organização do
festival.
Segundo Joaquim Taska,
coordenador da Associação Sociocultural Yawanawa, apesar de serem vendidos
pacotes turísticos através de empresas especializadas, o festival tem um
caráter mais 'íntimo'. “Não temos muitos turistas”, afirma.
Para o cacique Biraci Brasil, da
aldeia Nova Esperança, responsável pelo Festival Yawa, um dos mais tradicionais
da Terra Indígena do Rio Gregório e famoso por receber turistas de todo o
mundo, a presença de não indígenas não diminui as expressões culturais do povo,
pelo contrário.
“Foi criado a ideia, durante os
anos, de que a presença de pessoas estranhas causavam mudanças culturais e
aquilo alterava e desequilibrava a nossa cultura e nosso dia a dia. Nós
afirmamos que não, isso não é verdade. Quando alguém que vem de outro lugar,
celebrar e partilhar com a gente, a presença da sociedade branca traz confiança
e força de continuar em pleno século 21 a nossa cultura”, afirma.
Matéria: G1.com